Maria Gonçalves

Empenhada na missão de aprofundar os laços entre a Cátedra UNESCO sediada na Universidade de Évora e na Universidade de Cabo Verde, Filomena Gonçalves, Diretora da Cátedra UNESCO em Património Imaterial perspetiva uma maior colaboração entre as duas instituições no sentido de produzir boas intervenções na sociedade, adotando políticas públicas para a cultura e para o património que a mesma considera ser fundamental. 

  1. Uni-CV: Qual é o objetivo da sua missão a Cabo Verde?

O principal objetivo desta missão em Cabo Verde é aprofundar os laços entre a Cátedra UNESCO sediada na Universidade de Évora, Portugal, e o polo existente na Universidade de Cabo Verde, promovendo o interconhecimento das equipas de um e de outro lado, com vista ao desenvolvimento de projetos em parceria nas áreas do Património e da História, com possíveis interfaces com outras áreas.

  1. Uni-CV: Quais são as perspetivas de cooperação entre a cátedra que dirige, na Universidade de Évora, e o polo da mesma cátedra que existe em Cabo Verde, na Uni-CV?

As perspetivas de cooperação abrem-se em várias frentes, indo da criação de projetos conjuntos e de submissão de candidaturas europeias, tendo o polo de Cabo Verde como parceiro, até à colaboração em conferências e colóquios, publicações com impacto internacional e outros eventos, passando por intercâmbios para a docência em áreas de interesse comum, como o Património, a História, os estudos interculturais. Abrem-se, pois, excelentes perspetivas quer para Cátedra UNESCO, como um todo, quer para o polo de Cabo Verde, onde julgo existirem todas as condições para uma dinâmica forte, a internacionalização do conhecimento produzido e boas intervenções na sociedade.

  1. Uni-CV: Comemora-se este ano os 20 anos da Convenção da UNESCO sobre o Património Imaterial. Que progressos tem havido de lá para cá, nomeadamente em Portugal?

Com efeito em 2013, passam 20 anos sobre a aprovação em Paris, da Convenção para a Salvaguarda do Património Imaterial. A Convenção representou o reconhecimento universal do valor património intangível, para cuja salvaguarda não existiam instrumentos específicos. A Convenção criou um quadro de referência internacional para a definição do Património Imaterial e a salvaguarda de expressões culturais intangíveis. Graças a este instrumento, várias expressões culturais, com carácter patrimonial, têm vindo a ser inventariadas (inventários nacionais) e incorporadas na Lista Representativa do Património Imaterial da Humanidade UNESCO. Portugal não foi exceção e, para além da classificação do Fado como Património Imaterial da Humanidade, em 2011, outras expressões culturais têm vindo a ser integradas na Lista nacional, primeiro, e, depois, na lista da UNESCO. Entre essas expressões refiram-se o Cante Alentejano (2014), a Arte Chocalheira ou fabrico de chocalhos artesanais (2015), Barro Preto de Bisalhães (2016), Bonecos de Estremoz ou Figurado de Estremoz (2017). É de realçar que três destas expressões – Cante, Arte chocalheira e Bonecos de Estremoz – são do Alentejo, região portuguesa cujas características sociais, históricas, culturais, paisagísticas e económicas explicam a existência de um rico património imaterial, associado a práticas sociais únicas, próprias da tradição e do modus vivendi das comunidades. Portugal tomou a Convenção como uma oportunidade de proteger expressões culturais com valor para a Humanidade e, ao mesmo tempo, torná-las um vetor de desenvolvimento turístico, mas, passados 20 anos sobre a aprovação da Convenção, o Alentejo que mais e melhor soube tirar partido deste instrumento para potenciar a sua cultura, numa simbiose entre património material, imaterial e natural.

  1. Uni-CV: Portugal conseguiu alargar a componente cultural na sua pujante oferta turística. Até que ponto as universidades ajudaram a fazer isso? Como em Cabo Verde, as universidades podem contribuir num processo semelhante?

As universidades são indispensáveis como centros de criação de conhecimento e de reflexão crítica para a intervenção na sociedade. A atividade turística tem tudo a ganhar com as parcerias com as universidades, e vice-versa, também as universidades podem receber o retorno do serviço que prestam à sociedade. Com efeito, cabe às universidades estudarem os fluxos turísticos e as suas dinâmicas, assessorar os decisores das políticas para uma programação de longo prazo que seja sustentável, em conjunto com outras atividades económicas. Em Portugal, o sucesso dos cursos universitários de Turismo prova precisamente que esta atividade deve articular-se, cada vez mais, com a dimensão cultural das comunidades, procurando uma sustentabilidade harmoniosa, que não suprima a riqueza da diversidade cultural de uma comunidade ou região. Julgo que Cabo Verde também poderá tirar partido desta interação entre economia, emprego e salvaguarda cultural. A Universidade de Cabo Verde poderá ter um papel fulcral não só na capacitação de quadros para a gestão integrada e sustentável do Turismo, em estreita ligação com o Património, a Cultura e a preservação do meio ambiente, mas também na assessoria aos decisores e aos governantes.

  1. Uni-CV: Acha que as políticas de património podem ajudar as sociedades a resistirem às tendências de crise de identidade e de convivência democrática?

Creio que as políticas em torno dos vários tipos de património, que não apenas do Imaterial, são na verdade a única via para a preservação da identidade em tempos de globalização. Quando desaparecem expressões do nosso património, seja ele tangível, intangível ou natural, de alguma maneira estamos a morrer. O património é a nossa memória coletiva, como povos, como comunidades, e um povo sem memória patrimonial caminha para a morte. Por isso, a adoção de políticas públicas para a cultura e para o património é vital.

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