Luzia Lima-Rodrigues utilizou metáforas das artes marciais e do símbolo yin-yang para refletir sobre equilíbrio, flexibilidade e inclusão no ensino superior

A conferência de encerramento do III Congresso Cabo-verdiano de Educação Inclusiva (III ConCEI), realizada na tarde de 5 de dezembro, no Centro de Convenções da Uni-CV, trouxe uma abordagem original ao debate sobre inclusão: partindo das artes marciais chinesas e do símbolo yin-yang, a pedagoga e psicopedagoga Luzia Lima-Rodrigues defendeu que a construção de escolas inclusivas exige interdependência, equilíbrio e flexibilidade, tanto nas políticas como nas práticas pedagógicas.
Ao iniciar a sua intervenção, intitulada “Da independência à interdependência: caminhando juntos para construir uma educação e uma sociedade mais inclusiva”, Luzia Lima-Rodrigues anunciou ao público que faria “algo diferente do esperado”. A partir da sua experiência como campeã mundial de kung fu e investigadora em educação especial, a conferencista propôs uma leitura pedagógica de conceitos oriundos das artes marciais, em particular do tai chi chuan e da filosofia yin-yang.
A oradora explicou que, na tradição chinesa, o yin e o yang representam duas energias complementares, associadas, respetivamente, ao que é mais recetivo, oculto ou maleável, e ao que é mais visível, ativo ou luminoso. “Nenhum existe sem o outro. Há uma interdependência total entre os dois lados”, sublinhou, lembrando que o mesmo se passa na relação professor-aluno, na organização escolar e na própria sociedade.
Ao longo da conferência, Luzia Lima-Rodrigues recorreu a exemplos concretos para ilustrar essa interdependência: a montanha e o vale, o tronco e as raízes de uma árvore, a parte interior e exterior da mão, a dinâmica entre docência e aprendizagem. “Uma aula só existe porque há professor e estudante. Se retirarmos um destes elementos, o processo deixa de existir”, observou.
A conferencista convidou, ainda, o público a participar em pequenos exercícios físicos, demonstrando como a transferência de peso no corpo evidencia a passagem de uma energia para outra e a importância do ponto de equilíbrio - o tai. “O tai é o meio termo, o ponto em que não se é nem demasiado rígido, nem demasiado passivo. É o espaço do equilíbrio saudável”, explicou.
A partir desta metáfora corporal, Luzia Lima-Rodrigues estabeleceu um paralelismo com a escola contemporânea, que, segundo a oradora, tende a funcionar “demasiado no registo yang”, centrada na voz do professor e em modelos pedagógicos pouco flexíveis. “Quando a educação se fixa num extremo, perde capacidade de resposta. Inclusão exige flexibilidade, capacidade de ajustar o currículo, a avaliação e as relações humanas às necessidades de quem aprende”, defendeu.
Num segundo momento, a conferencista aprofundou o conceito de flexibilidade. Num exercício com voluntários, demonstrou que a força não reside apenas na rigidez muscular, mas sobretudo na capacidade de ceder, adaptar-se e acolher o movimento do outro. “Quando perdemos flexibilidade, perdemos força. O mesmo acontece na educação: práticas demasiado rígidas deixam de ser eficazes”, concluiu, relacionando o exemplo com a necessidade de flexibilizar estratégias pedagógicas e curriculares para acomodar a diversidade dos estudantes.
Luzia Lima Rodrigues destacou, igualmente, a dimensão processual e inacabada da inclusão. Recuperando a dinâmica circular do yin-yang, sublinhou que qualquer realidade atinge o seu auge e, a partir daí, começa a transformar-se. “A única coisa imutável no universo é a própria mutação”, citou, a partir do clássico chinês I Ching. Para a oradora, a educação inclusiva deve ser entendida como “um processo em constante construção, que nunca está totalmente concluído”.
A concluir, a conferencista recorreu à imagem das ondas gigantes da Nazaré, em Portugal, para ilustrar o valor da pertença a um todo comum. “O dia em que a ondinha descobrir que não é apenas onda, é água, deixa de se comparar com a ondona ao lado. O mesmo vale para nós: quando percebemos que somos todos seres humanos, a diferença deixa de ser motivo de exclusão”, afirmou, deixando ao III ConCEI a mensagem de que a inclusão se constrói na consciência de que “ninguém se realiza sozinho” e de que todas as pessoas são parte indispensável do coletivo.