Uma nova investigação co-liderada por um investigador da Universidade de Cabo Verde (Uni-CV) lança um alerta crítico sobre o estado atual da agricultura irrigada no arquipélago. O estudo revela que a expansão desproporcional da cultura da cana-de-açúcar, que agora ocupa 62% de toda a área irrigada, poderá colocar em risco a sustentabilidade dos recursos hídricos e a segurança alimentar do país a longo prazo.
A investigação, intitulada "The Current Status of Irrigated Agriculture in Cape Verde and Its Link to Water Scarcity" e publicada na prestigiada revista científica Agronomy, foi conduzida por uma equipa de investigadores que inclui Erik Sequeira, da Escola de Ciências Agrárias e Ambientais da Uni-CV. O estudo faz um diagnóstico profundo do setor, cruzando dados do Ministério da Agricultura e Ambiente, do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica e de plataformas internacionais como a FAO.
O dilema da água: cana vs. alimentos
Em Cabo Verde, um país com um clima predominantemente árido e semiárido, a agricultura de sequeiro é altamente vulnerável. Como tal, a rega é essencial para a produção agrícola e para a soberania alimentar. No entanto, o estudo aponta para uma tendência preocupante: a dominância crescente de uma cultura não alimentar com elevadas necessidades de água.
A cana-de-açúcar, utilizada primariamente para a produção de grogue, cobre hoje mais de 3.000 hectares de terra irrigada. A investigação sublinha que esta cultura exige entre 1.400 e 1.600 mm de água por ano, um valor significativamente superior ao de muitas culturas hortícolas essenciais para a alimentação da população. Segundo os autores, "a expansão da cana-de-açúcar ameaça a sustentabilidade hídrica e a produção de alimentos a longo prazo".
Eficiência dos sistemas de rega em causa
O governo tem investido na modernização dos sistemas de rega, promovendo a transição da rega de superfície para a rega gota-a-gota, que já atinge uma taxa de adoção de 45%. Teoricamente mais eficiente, o sistema gota-a-gota em Cabo Verde enfrenta, no entanto, sérios desafios operacionais.
O estudo aponta para "deficiências no projeto hidráulico, falta de manutenção atempada e gestão empírica", que resultam em perdas de água significativas. Em muitos casos, a eficiência real dos sistemas instalados fica muito aquém do seu potencial, minando os esforços para economizar água. Os investigadores encontraram perdas por percolação que podem chegar a 255 mm/ano devido a estes problemas.
Recomendações para um futuro sustentável
Face a este cenário, os investigadores defendem uma ação urgente e coordenada. As conclusões do estudo apontam para a necessidade de investir no desassoreamento de barragens, na modernização dos sistemas de distribuição de água e no design adequado dos sistemas de rega; promover programas de formação para agricultores e técnicos para garantir a correta gestão e manutenção dos sistemas de irrigação; incentivar o cultivo de produtos com maior produtividade hídrica (mais "quilos por metro cúbico") e que contribuam diretamente para a segurança alimentar do país; e complementar os investimentos em mobilização de água com uma melhor governação e capacidade técnica para enfrentar as ineficiências atuais e os riscos climáticos futuros.
O estudo conclui que, para garantir a sustentabilidade da agricultura irrigada em Cabo Verde, é imperativo otimizar o uso da água, melhorar o desempenho agrícola e assegurar os sistemas alimentares face às crescentes restrições hídricas.