Na conferência de abertura do Open Day da Ciência e da Cultura, Coordenadora Residente das Nações Unidas defende que Cabo Verde será tão forte quanto for a sua comunidade científica.

A Coordenadora Residente do Sistema das Nações Unidas em Cabo Verde, Patrícia Portela de Souza, proferiu, na sessão de abertura da 3.ª edição do Open Day da Ciência e da Cultura da Uni-CV, a conferência intitulada “A ciência e o desenvolvimento”. Partindo da ideia de que “a ciência é a nossa luz orientadora”, citando o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, a responsável defendeu que não há soluções sustentáveis para os desafios globais sem investimento contínuo em investigação, inovação e universidades fortes.
Ao iniciar a sua intervenção, Patrícia Portela de Souza saudou a comunidade académica e os parceiros presentes, destacando o “rigor científico, a criatividade e o compromisso com o presente e o futuro de Cabo Verde” que, na sua perspetiva, caracterizam a Uni-CV. Enquanto jornalista de formação, anunciou que queria deixar uma “manchete” clara: Cabo Verde recebeu, na véspera, o certificado de eliminação da rubéola e do sarampo, juntando-se às Maurícias como um dos poucos pequenos Estados insulares em desenvolvimento a alcançar este marco. “Este resultado deve-se à ciência, às políticas públicas que ouviram a ciência e à confiança da população nos médicos e nas instituições”, afirmou, felicitando o Instituto Nacional de Saúde Pública e os cabo-verdianos.
A partir deste exemplo concreto, a Coordenadora Residente estruturou a sua conferência em quatro grandes reflexões: ciência para transformar a sociedade, para promover um desenvolvimento económico resiliente, para proteger o ambiente e enfrentar a emergência climática, e para alavancar o oceano e a economia azul. No plano social, lembrou que, apesar da redução das taxas de pobreza nas últimas décadas, persistem desigualdades geográficas, de género e de inclusão social. “Sem dados não há conhecimento, sem conhecimento não há soluções. Sem ciência não há progresso social”, sintetizou, sublinhando que a investigação é essencial para identificar onde as políticas falham, onde podem melhorar e onde é necessário investir com mais precisão.
Do ponto de vista económico, Patrícia Portela recordou que Cabo Verde vive uma fase de redefinição, após a reclassificação como país de rendimento médio-alto, o que coloca novos desafios de diversificação e competitividade. Defendeu que a transição digital, a modernização agrícola, a economia criativa, a biotecnologia marinha e a economia azul são áreas em que o país já demonstrou potencial e que exigem investimento determinado em investigação aplicada e inovação tecnológica. “Universidades como a Uni-CV são a infraestrutura intelectual que torna esse investimento possível. São laboratórios vivos de ideias, soluções e talentos”, afirmou.
Na dimensão ambiental, chamou a atenção para o facto de Cabo Verde estar “na linha da frente da crise climática”, com impactos visíveis na seca, na erosão costeira, na perda de biodiversidade e na pressão sobre os recursos naturais. Defendeu que a resposta a estes desafios passa “sobretudo pela ciência que informa as políticas”, permitindo prever eventos extremos, gerir melhor os aquíferos, restaurar ecossistemas, promover energias renováveis e desenvolver modelos de adaptação climática adequados ao contexto local. Sublinhou ainda o papel estratégico da ciência do oceano num país que é “99% mar”, lembrando que o oceano é “o maior laboratório, o maior recurso e a maior responsabilidade” de Cabo Verde.
A representante das Nações Unidas valorizou o contributo da Uni-CV para a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) no país, recordando a Feira dos ODS organizada em parceria com o Sistema das Nações Unidas. Revelou ter ficado “absolutamente impressionada” com o número de projetos científicos com impacto direto em áreas como segurança alimentar, proteção social, igualdade de género, energia e economia azul, e lançou o desafio de promover novas formas de dar visibilidade a essas iniciativas, incluindo uma eventual nova edição da feira.
Numa intervenção particularmente sensível à dimensão cívica da ciência, Patrícia Portela alertou para a expansão da desinformação e dos discursos de ódio, lembrando que “as fake news se espalham mais depressa do que os factos”. Defendeu o reforço da literacia científica e do pensamento crítico, considerando a ciência “um escudo contra as mentiras”, e apresentou iniciativas que o Sistema das Nações Unidas está a desenvolver, em parceria com a Uni-CV, a Associação de Jornalistas, a ARC e a CNE, para enfrentar a desinformação e o discurso de ódio no espaço público.
Dirigindo-se diretamente aos estudantes e investigadores, a conferencista deixou uma mensagem final clara: “O futuro de Cabo Verde está nas vossas mãos”. A ciência, afirmou, não é apenas um percurso profissional, mas “uma forma de ver o mundo” e um compromisso com a verdade, o progresso e o bem comum. “Cabo Verde será tão forte quanto for a sua comunidade científica”, concluiu, reiterando, em nome do Sistema das Nações Unidas, o compromisso de continuar a apoiar a Uni-CV e as demais universidades na promoção da investigação, da formação de talentos e da construção de um país mais justo, resiliente e sustentável.