images_cigef.pngNo âmbito da a IIIª Semana de Reflexão sobre a Violência Baseada no Género (VBG), que decorre de 24 a 28 de maio, sobre o lema  “Lideranças Locais no combate à VBG, no Contexto da Pandemia Covid-19”, promovido pela Associação Cabo-verdiana de Luta Contra a Violência Baseada no Género (ACLCVBG) e na sequência da notícia “Cabo Verde sem aumento de casos de VBG durante estado de emergência – estudo” tornada pública pela Agência Inforpress e da reação da Presidente do ICIEG, Rosana Almeida, vimos pela presente prestar alguns esclarecimentos relativamente ao resultado do estudo “impacto do confinamento social obrigatório em contexto da pandemia do covid-19 na (re)configuração das relações de género e poder no espaço doméstico”.

O estudo propôs refletir sobre o impacto da medida do confinamento social obrigatório, adotada pelo governo de Cabo Verde durante o período da pandemia do COVID-19 na (re)configuração das relações de género e poder no espaço doméstico. Para cumprir com esse propósito, a pesquisa foi desenvolvida em dois grandes eixos: institucional e individual.  

No primeiro (eixo institucional) procurou-se essencialmente:

  1. Identificar os serviços da Rede Sol que operaram durante o período de confinamento social e a forma como atuaram e,
  2. Descrever as condições de acesso às redes formais de apoio às vítimas de violência doméstica.

No segundo, a nível dos atores sociais, propôs-se:

  1. Comparar, a partir da percepção das pessoas envolvidas no estudo, as relações de género nas diferentes configurações familiares antes e durante o período de confinamento obrigatório; 
  2. Analisar a percepção das mulheres, homens e pessoas não binárias sobre a gestão dos trabalhos domésticos e de cuidados, antes e durante o confinamento social obrigatório
  • Analisar os efeitos da sobrecarga de trabalhos domésticos, teletrabalho e acompanhamento das atividades escolares dos filhos nas relações de género no espaço doméstico;

A pesquisa combinou operações metodológicas de caráter quantitativo e qualitativo - inquéritos por questionários  de aplicação on-line dirigidos às/aos cabo-verdianas/os e estrangeiras/os residentes no país, bem como entrevistas  semiestruturadas dirigidas à Coordenadora Nacional da Rede Sol, às/os técnicas/os que atuam nos CAVs dos diferentes concelhos (e que no momento estavam ativas) e ao Procurador que atua  na Secção de Crimes de VBG e contra a Família (SCVBGF) na Praia. 

O estudo decorreu no momento de restrição de mobilidade intra e inter-ilhas, ocasião em que  as pessoas, particularmente, residentes no concelho da Praia se encontravam confinadas. O questionário foi disponibilizado para o preenchimento, on-line, durante um período de um mês (junho de 2020) e a nossa preocupação foi garantir a máxima participação de cabo-verdianos/as e estrangeiros/as residentes, dos diferentes: i) concelhos/meio de residência (rural e urbano); ii) identidades de género e iv) tipologias de relacionamentos (heterossexuais, homossexuais), envolvendo para o efeito representantes de ONGs, a Coordenação do CIGEF e de Direções de alguns serviços. 

Diante disso, 522 pessoas responderam ao inquérito, dos quais 71.1% são mulheres, 28.7% homens e 0,2% de pessoas que declararam outra identidade. Do total das pessoas inquiridas, a grande maioria (96.4%) é cabo-verdiana residente no meio urbano (84.7%); 74.5% possui o ensino superior e um rendimento mensal superior a 61.000$. O perfil do nosso público-alvo enquadra-se no procedimento de estudo adotado – o recurso ao inquérito de administração direta on-line. Nesse estudo, somente participaram pessoas com acesso às tecnologias de informação e comunicação.

No tocante à entrevista, importa referir que, em articulação com o ICIEG nos foi facultado uma lista de contato dos/as Coordenadores dos CAV´s a partir da qual conseguimos realizar 14 entrevistas (representantes dos CAVs dos concelhos de:  Santa Cruz, São Salvador do Mundo; São Miguel, Ribeira Grande Santiago, São Lourenço do Órgãos, Praia, Tarrafal de Santiago, Santa Catarina e São Filipe  do Fogo, Ribeira Brava  de São Nicolau, São Vicente, Tarrafal de São Nicolau e Porto Novo).

Além desses representantes, foram entrevistados a Coordenadora Nacional da Rede Sol, representante do Gabinete Jurídico da OMCV, e o procurador da Secção de Crimes de VBG e contra a Família. A aplicação desse instrumento decorreu, por telefone e/ou via plataformas Zoom e Teams, entre os meses de setembro e outubro de 2020. A mesma foi gravada, mediante o consentimento prévio das/o participantes.

É neste quadro, que os dados do estudo nos permitiram tecer as seguintes considerações: 

  • Apesar das previsões de que, com a situação de confinamento, como forma de prevenir a propagação da COVID19, a violência no meio familiar poderia aumentar, particularmente contra as mulheres e as crianças, os participantes do estudo, revelaram, em sua maioria, que as relações afetivas se mantiveram estáveis/praticamente inalteradas. Entre os que avaliaram que seus relacionamentos haviam mudado, destacam mudanças pela positiva. Poucas foram as pessoas que referiram que, no confinamento, as suas relações afetivas se tornaram menos intensas e/ou que foram marcadas por situações de tensões e violências;
  • Embora os dados recolhidos revelam que a casa é assumida, pela grande maioria dos inquiridos como um espaço seguro (94,6% e 92,5%, Urbano e rural respetivamente), uma percentagem não residual dos respondentes, mulheres em sua maioria, admitiu que as situações de tensões/conflitos marcaram suas relações nesse espaço. Na mesma linha, os técnicos, em especial dos CAVs envolvidos no estudo, declararam que, durante o período de confinamento social obrigatório não se registaram aumento de denúncias de VBG/VD. Contudo, mesmo que os dados conseguidos, seja pela aplicação do questionário, seja por meio de entrevista, não apontem para o aumento de casos, é importante ter presente que as denúncias por violência doméstica podem estar longe do número real de casos, conforme pontuado na entrevista televisiva. Efetivamente, a violência que ocorre, em especial no âmbito privado, é algo complexo, muitas vezes naturalizada e silenciada, o que nos impede de conhecer a real dimensão do problema.
  • Particularmente no período de confinamento social, a proporção dos inquiridos que assumiram não ter experienciado nem situações de tensões e nem situações de violências é superior à proporção dos que assumiram a mesma opção antes do confinamento. Na percepção dos inquiridos, houve uma diminuição de situações de tensões e conflitos decorrentes da sobrecarga de trabalhos domésticos e de cuidados.
  • Depreende-se do estudo que as situações de tensões/conflitos são mais admitidas em meios marcadamente urbanos. Nos concelhos rurais/mais pequenos, ainda muito marcados pela tradição, as situações de tensões, de modo particular, tendem a ser resolvidas no domínio do privado, podendo criar uma falsa ideia de que, nestas regiões, as violências não foram recorrentes, no período do confinamento.
  • Relativamente às estratégias de intervenção, tanto os inquiridos como os entrevistados ressaltaram a eficácia da campanha “Bo ka sta Bo Só” promovida pelo ICIEG no momento em que foi decretado o Estado de Emergência. Já em relação à Campanha Máskara 19, além de a maioria dos envolvidos no estudo desconhecerem tal medida, os que declararam ter conhecimento da medida, consideraram-na uma medida desajustada à nossa realidade;
  • Ainda que os dados de que dispomos, não nos permitam uma avaliação, em justa medida dos impactos destas campanhas, o estudo permitiu uma maior visibilidade dos trabalhos do ICIEG/CAV e de redes informais (familiares, amigos e colegas de turma/trabalho) na resolução dos conflitos que ocorrem no seio familiar, e chamou a atenção para a necessidade de promover debates continuadossobre a temática do género e violências.

Face ao pronunciamento da Presidente do ICIEG, que consideramos INTEMPESTIVO, agradecemos que a mesma faça uma leitura mais atenta do estudo realizado pelo CIGEF pois, seguramente, aperceber-se-á que o resultado dos estudos não são contraditórios, nem tampouco o rigor científico está em causa. Pois, trata-se de pesquisas de natureza e abrangência distintas, tendo períodos e públicos com perfis também diferenciados. 

Recordamos que o ICIEG foi envolvido na conceção e implementação do projeto do estudo em referência e convidado a participar na socialização dos resultados, mas, infelizmente não esteve presente.

Ademais, é importante ter presente que o CIGEF emergiu a partir de um projeto do ICIEG, por isso é impensável não considerá-lo como um parceiro e partilhar valores como a solidariedade, a união, assim como formar sinergias na prevenção e combate à VBG e na promoção da igualdade de género, mas tendo sempre em observância o rigor científico que nos caracteriza enquanto academia.

Após uma leitura atenta do estudo, poder-se-á abrir um espaço de debate para o cabal esclarecimento, caso assim a Presidente do ICIEG o entenda.

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